terça-feira, 3 de agosto de 2010

A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NO PROCESSO EDUCACIONAL: COMENTÁRIOS SOBRE A LDB E O PCN - ARTE

Muito se tem discutido sobre a volta da música no currículo escolar com a sanção da Lei 11.769/08. Especialistas em Música, Pedagogos e Educadores estão buscando um “denominador” comum sobre o que ensinar e por quem deverão ser ministrados os conteúdos musicais nas salas de aulas.

São muitas as preocupações e interrogações a respeito: Quem deverá ministrar aulas de música nas escolas brasileiras, os Pedagogos ou Professores de Arte com pouco ou nenhum conhecimento musical? Os Músicos com pouca ou nenhuma formação didático-pedagógica?

Com a sanção da referida Lei a música retorna triunfantemente ao currículo escolar, mas deixa “no ar” muitos pontos que precisam ser esclarecidos, por exemplo: haverá número suficiente de professores habilitados na área? Se não, quem ministrará essas aulas? Os professores de Arte têm formação especifica e/ou suficiente na área?


O objetivo da Lei não é o de formar músicos profissionais ou especialistas, a Educação Musical auxilia no desenvolvimento social, cultural, psicomotor e estimula o contato com diferentes linguagens, contribui para a sociabilidade e democratiza o acesso à Arte.

Tocar, ouvir, criar, aprender uma canção, produzir instrumentos rítmicos e entender sobre a História da Música são pontos fundamentais do ensino de música, e são também atividades que despertam, estimulam e desenvolvem o gosto pela música.

A professora Especialista, Teca Alencar de Brito, do Departamento de Música da USP e criadora da Teca Oficina de Música, afirma:

“Não se pode ensinar música a partir de uma visão utilitarista. Estamos falando de arte. É preciso explorar as sensibilidades”.

Em razão de seu poder criador e liberador a música é um recurso poderoso para ser usado no processo educacional, é também uma excelente ferramenta no controle do estresse infantil, causando forte e direto impacto no comportamento da criança e, enquadra-se perfeitamente na proposta pedagógica de ensino sobre o ciclo de aprendizagem das inteligências múltiplas (Howard Gardner):
· Dinâmico;
· Imaginativo Relacional;
· Senso Comum;
· Analítico.

Bem como seus desdobramentos:
· Lingüística;
· Matemática;
· Espacial;
· Cinestético;
· Musical;
· Interpessoal;
· Intrapessoal;
· Ambientalista.

A música é a única disciplina que engloba e incorpora todos esses aspectos da percepção humana. Pelo seu potencial em desenvolver diferentes capacidades mentais, motoras, afetivas, sociais e culturais a música se configura como veiculo privilegiado para se alcançar as finalidades educacionais almejadas pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais).

Ao aprender música, o aluno desenvolve a capacidade de: interpretar e apreciar músicas do próprio meio sociocultural e, as nacionais e internacionais que fazem parte do conhecimento musical construído pela humanidade no decorrer de sua história e nos diferentes espaços geográficos, estabelecendo inter-relações com as outras modalidades artísticas e as demais áreas do conhecimento. Desenvolvendo ainda: habilidades, concentração, memória, disciplina, socialização, imaginação e criatividade.

A concepção geral do ensino de música é bem direcionada, se considerarmos que a função da educação musical na escola de ensino fundamental é ampliar o universo musical do aluno.

Isto significa dar-lhe condições para a apreensão da linguagem musical em sua diversidade de manifestações, pois a música, em suas mais variadas formas, é um patrimônio cultural, capaz de enriquecer a experiência expressiva e significativa de cada um.

No entanto, esta função da educação musical tem esbarrado, tradicionalmente, na oposição entre música popular e música erudita - a chamada música "clássica". Estes dois universos da produção musical têm suas formas próprias e opostas de ensino e de aprendizagem, práticas culturais e valores sociais distintos. Deste modo, o ensino dos conservatórios de música - que é um ensino de caráter técnico-profissionalizante - toma como padrão praticamente exclusivo a música erudita, voltando-se, em geral, para a técnica instrumental e para o adestramento no uso da partitura, com as aulas de "teoria musical".

Este ensino, com suas práticas pedagógicas bastante questionáveis, tem historicamente servido como modelo de um ensino "sério" de música, tornando-se referência corrente para as ações educativas na área, inclusive nas escolas de 1o grau / ensino fundamental (cf. Penna, 1995a). Neste quadro, Tourinho (1998, p. 170) caracteriza a atitude dos professores de educação musical por "uma surdez seletiva" em relação à produção musical e pela "reverência à cultura musical notada".

Destaca-se, neste contexto, a importância do direcionamento dado à proposta de Música apresentada nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental, que traz o desafio de superar a histórica dicotomia entre música erudita e popular. Este direcionamento é mais claro no documento para os 3o e 4o ciclos, onde as considerações iniciais da parte de Música são mais consistentes e bem articuladas - assim como a proposta como um todo.

Neste nível de ensino, a proposta aponta para - ou mesmo exige como base - uma concepção de música bastante aberta. Isto porque, se o princípio é partir "das experiências que o jovem traz de seu cotidiano, de seu meio sociocultural" - que se situam, em geral, no âmbito da música popular -, o objetivo é expandir a sua vivência musical rumo ao extenso, rico e praticamente ilimitado (já que a música é viva e está em constante movimento). "Conhecimento musical construído pela humanidade no decorrer de sua história" e nos diferentes espaços sociais. E esta meta é incompatível com uma concepção de música que trate as produções populares e eruditas como situados em pólos estanques e opostos.

Essa necessidade de uma concepção mais aberta e abrangente de música, como base para a prática pedagógica, pode acarretar dificuldades na realização da proposta dos PCN-Arte para Música, uma vez que a oposição entre a música popular e a música erudita tem marcado os cursos superiores na área e, portanto, a própria formação do professor. Neste contexto, questiona-se a proposição, como conteúdo para as primeiras quatro séries do ensino fundamental, de: "Discussões e levantamento de critérios sobre a possibilidade de determinadas produções sonoras serem música" (PCN-Arte I, p. 80).

Nas mãos de um professor sem uma maior vivência musical, ou então com uma formação "conservatorial" baseada no padrão erudito, tal conteúdo pode levar a uma concepção fechada de música, justamente na direção oposta à concepção ampla que se mostra necessária.

A meta pedagógica de expandir a vivência musical do aluno partindo de sua experiência atual é explicitada no documento para os 3o e 4o ciclos, inclusive quando, nas considerações iniciais da parte de Música, procura-se encarar o fato de muitas escolas terem alunos adultos nas últimas séries do ensino fundamental, devido aos problemas de evasão e repetência:

"Quanto ao aluno adulto de terceiro e quarto ciclos (realidade de escolarização fundamental ainda existente em nosso país), a escola deve também garantir-lhe uma educação musical em que seu imaginário e expressão musical se manifestem nos processos de improvisar, compor e interpretar, oferecendo uma dimensão estética e artística, articulada com apreciações musicais. A consciência estética de jovens e adultos é elaborada no cotidiano, nas suas vivências, daí a necessidade de propiciar, no contexto escolar, oportunidades de criação e apreciação musicais significativas." (PCN-Arte II, p. 60).

No documento para as quatro primeiras séries do ensino fundamental, as considerações iniciais da proposta de Música abordam alguns pontos relativos à prática em sala de aula. Já que, nos dois documentos, as orientações didáticas são dadas para a área de Arte de modo global, tendo um caráter bastante genérico, é relevante a indicação, nessas considerações, da importância de se trabalhar a linguagem musical com base em sua concreticidade sonora:

"Uma vez que a música tem expressão por meio dos sons, uma obra que ainda não tenha sido interpretada só existe como música na mente do compositor que a concebeu. O momento da interpretação é aquele em que o projeto ou a partitura se tornam música viva. Além disso, as interpretações estabelecem os contextos onde os elementos da linguagem musical ganham significado." (PCN-Arte I, p. 75).

Neste sentido, essas considerações iniciais dão grande destaque ao canto e às canções - com ênfase nas brasileiras -, como materiais para o trabalho musical: "a canção só se faz presente pela interpretação, com todos os demais elementos" (PCN-Arte I, p. 76-77). Sem dúvida, o canto permite uma prática musical significativa, sem necessidade de maiores recursos materiais, promovendo o desenvolvimento de habilidades musicais:

"O cantar deve estar presente em toda atividade musical de base. Ouvido e voz pertencem ao mesmo sistema neurológico, sendo assim, a interferência em um deles causa transformações no outro. Dito de outro modo, o aperfeiçoamento da percepção auditiva leva ao melhor desempenho no canto, enquanto a melhoria na capacidade de cantar propicia o desenvolvimento da capacidade auditiva." (Fonterrada, 1998, p. 22).

O canto tem importante função na educação musical, ao mesmo tempo em que é tido como uma atividade rotineira nas séries iniciais do ensino fundamental. Como mostra Fucks (1998, p. 84), o canto - principalmente o "cantar cívico" - é praticado na escola brasileira desde, pelo menos, o final da I Guerra Mundial. Esta orientação consolida-se e "oficializa-se" com a obrigatoriedade do Canto Orfeônico, que deixa suas marcas até os dias de hoje, na "primazia que cantar tem representado no ensino de Música na escola" (Bellochio, 2000, p. 337), primazia esta que sem dúvida merece ser discutida. Afinal, como indica Souza (1998, p. 134), há "concepções didáticas” que descentralizam o canto (como já perguntava Adorno nos anos 50, quem é que disse que na aula de música tem que se cantar?).

Nos Parâmetros para os 1o e 2o ciclos, a ênfase dada ao canto talvez expresse, em certa medida, a sua presença na prática pedagógica deste nível de ensino, onde é comumente realizado pelo professor de classe, freqüentemente sem maiores preocupações com objetivos propriamente musicais, ou até mesmo refletindo problemas de colocação da voz. Assim, para que a proposta dos PCN-Arte não venha apenas referendar o canto como uma atividade já existente - muitas vezes distorcida de seu potencial de desenvolvimento musical -, mas antes dar-lhe real finalidade educativa.

Considera-se que seriam indispensáveis algumas indicações, por breves que fossem quanto aos cuidados com algumas questões de técnica vocal - como a tessitura fisiologicamente correta para a voz infantil, ou o processo de muda de voz na adolescência. Por outro lado, essa ênfase no canto - que não é encontrada no documento para as 5a a 8a séries - pode também refletir a falta de definição do professor que irá realizar a proposta para Música nas séries iniciais, pela ausência de um compromisso político com a questão de recursos humanos com formação adequada.

Temos de admitir que não seja possível contar a curto prazo - mesmo que houvesse decisão política para tal - com professores com formação específica em música em número suficiente para atender a todas as escolas deste país, nos diversos ciclos. Faz-se necessário, por conseguinte, reconhecer os limites das possibilidades de atuação do professor especialista e buscar meios para capacitar o professor das primeiras séries para o trabalho musical em suas turmas (Pós-graduação) ou, então estaremos aceitando que a música, "enquanto proposta [pedagógica] sistematizada, permaneça ausente da escola, mesmo estando presente no cotidiano dos alunos" de forma tão marcante (Subtil, 1998, p. 6).

Alternativas para tal capacitação têm sido apontadas por diversos estudos e experiências, seja inserindo e trabalhando criticamente conteúdos musicais na formação inicial do professor dos primeiros ciclos (em cursos superiores de Pedagogia), seja através da articulação entre o professor especialista no ensino de Música e o professor de classe, ou ainda em ações efetivas de formação continuada.

Os objetivos e conteúdos de Música

Na modalidade de Música, podemos reconhecer - tanto nos objetivos gerais quanto nos conteúdos - os três "eixos norteadores", apresentados na primeira parte dos Parâmetros para toda a área de Arte, que têm por base a Proposta Triangular. Assim, quanto aos objetivos gerais, podemos observar que:

* O objetivo, diz respeito ao eixo da produção: "Pesquisar, explorar, improvisar, compor e interpretar sons de diversas naturezas e procedências"... (PCN-Arte II, p. 81)
* Com o eixo da apreciação, relacionam-se ao objetivo, acima citado, assim como ao 7o: "Conhecer, apreciar e adotar atitudes de respeito frente à variedade de manifestações musicais e analisar as interpenetrações que se dão contemporaneamente entre elas, refletindo sobre suas respectivas estéticas e valores." (PCN-Arte II, p. 81).
* O 8o objetivo é um exemplo do eixo da contextualização: "Valorizar as diversas culturas musicais, especialmente as brasileiras, estabelecendo relações entre a música produzida na escola, as veiculadas pelas mídias e as que são produzidas individualmente e/ou por grupos musicais da localidade e região"... (PCN-Arte II, p. 81-82)
* Diversos objetivos articulam mais de um eixo norteador, como, aliás, coloca a própria Proposta Triangular; é o caso do 2o objetivo: "Desenvolver a percepção auditiva e a memória musical, criando, interpretando e apreciando músicas em um ou mais sistemas musicais, como: modal, tonal e outros." (PCN-Arte II, p. 81).

Por sua vez, os conteúdos são agrupados em três grandes blocos, que são compatíveis com os eixos norteadores gerais, e que são os mesmos nos dois documentos, salvo diferentes formulações para o terceiro bloco:

1o) O eixo da produção, em "Expressão e comunicação em Música: improvisação, composição e interpretação" (cf. PCN-Arte I, p. 78-79; PCN-Arte II, p. 82-84);

2o) O eixo da fruição/apreciação, em "Apreciação significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical" (cf. PCN-Arte I, p. 79-80; PCN-Arte II, p. 84-85);

3o) O eixo da reflexão/contextualização, em "A Música como produto cultural e histórico: música e sons do mundo" (cf. PCN-Arte I, p. 80-81) e "Compreensão da Música como produto cultural e histórico" (cf. PCN-Arte II, p. 85-86).

A própria proposição destes blocos de conteúdos pode ser questionada. Por tratar do fazer musical, o primeiro é sem dúvida fundamental. Contudo, como coloca Fonterrada (1998, p. 24-25), se sua formulação é teoricamente pertinente, a situação do ensino de música nas escolas nas últimas décadas pode indicar a sua inviabilidade: o termo "composição" é, para esta autora, "pretensioso e inadequado", e mesmo a concepção de improvisação mereceria ser claramente delimitada.

Sendo os PCN-Arte uma orientação oficial para a prática pedagógica na área, gerando expectativas (inclusive por parte das direções de escolas) relativas ao desempenho tanto de professores quanto de alunos, consideramos importante a clara definição dessas noções. Certamente, em determinados quadros teóricos ou metodológicos, o termo "composição" é tomado em sentido amplo - como em Swanwick (1991, p. 67-68), que o emprega para todo "ato de combinar sons musicais", incluindo desde "as manifestações mais breves" até as invenções mais elaboradas, desde que haja "certa liberdade para eleger a ordenação da música".

Não se pode esquecer, entretanto, que no senso comum "composição" remete a peças musicais elaboradas segundo padrões culturalmente dominantes. Desta forma, parece problemático que os PCN-Arte possam dar margem a expectativas desproporcionais, permitindo que o professor venha a ser pressionado, por exemplo, a realizar na escola, ao final de um ano de trabalho, um "festival de música" com as "composições" de seus alunos. Sendo assim, talvez fosse mais adequada a noção mais ampla de "criação", que pode se dar tanto de modo exploratório quanto por uma organização planejada do material sonoro (estruturação).

No documento para as primeiras quatro séries, o bloco da produção tem o maior número de conteúdos. Alguns são bastante claros, permitindo vislumbrar a prática em sala de aula:

* "Percepção e identificação dos elementos da linguagem musical em atividades de produção, explicitando-os por meio da voz, do corpo, de materiais sonoros e de instrumentos disponíveis."
* "Utilização e criação de letras de canções, parlendas, raps, etc., como portadoras de elementos da linguagem musical."
* "Utilização do sistema modal/tonal na prática do canto a uma ou mais vozes."
* "Brincadeiras, jogos, danças, atividades diversas de movimento e suas articulações com os elementos da linguagem musical." (PCN-Arte I, p. 78-79)

Por outro lado, há conteúdos vagos ou confusos, como "Traduções simbólicas de realidades interiores e emocionais por meio da música" (PCN-Arte I, p. 79), conteúdo este que reflete, a noção romântica de arte como expressão, que marca a fundamentação apresentada na primeira parte do documento para este nível de ensino.

Quanto ao segundo bloco, dedicado à apreciação, boa parte dos conteúdos para os 1o e 2o ciclos remetem a processos discursivos e de pensamento - o que também acontece, em certa medida, na proposta para 5a a 8a séries, como por exemplo: "Discussão de características expressivas e da intencionalidade de compositores e intérpretes em atividades de apreciação musical." (PCN-Arte I, p. 80). Desta forma, é relegado a segundo plano a importante questão da preparação do aluno para a escuta e apreciação musical.

"Há aspectos básicos que nem sequer foram mencionados nos PCN. A escuta de qualidade está ligada ao desenvolvimento da percepção auditiva (sonoro/musical) e prende-se diretamente aos parâmetros do som (altura, duração, intensidade e timbre) e às diferentes formas de organização musical (horizontal e vertical). O ato da escuta não é passivo e nem se limita ao ouvido: o homem 'ouve' com o corpo todo. Por esse motivo, é necessário o trabalho corporal, que levará ao discernimento do espaço, do tempo, e de diferentes formas de organização sonora." (Fonterrada, 1998, p. 22).

Neste sentido, sente-se falta, nos dois documentos dos PCN-Arte, de uma proposta de formação progressiva de conceitos relativos aos elementos e princípios de organização da linguagem musical, que pudesse promover o domínio gradativo desta linguagem, dando sustentação às atividades de apreciação e de produção.

No documento para os 3o e 4o ciclos, cada bloco apresenta doze conteúdos, bem mais do que na proposta para Dança, por exemplo. Alguns conteúdos têm enorme abrangência e complexidade, implicando um desenvolvimento progressivo da percepção e da compreensão da linguagem musical. É o caso, por exemplo, do seguinte conteúdo:

* "Audição, comparação, apreciação e discussão de obras que apresentam concepções estéticas musicais diferenciadas, em dois ou mais sistemas, tais como: modal, tonal, serial e outros, bem como as de procedimento aleatório." (PCN-Arte II, p. 84).

E este conteúdo, do bloco de apreciação, interliga-se a outros que também abrangem os diversos sistemas musicais, no eixo de criação - "Improvisações, composições e interpretações utilizando um ou mais sistemas musicais: modal, tonal e outros"... (p. 82) - e também no de contextualização - "Identificação da transformação dos sistemas musicais (modal, tonal, serial), ao longo da história"... (p. 85).

Para que possam ser efetivamente trabalhados, conteúdos amplos e complexos como esses exigem uma presença constante do ensino de música na vida escolar do aluno. Isto pode ser vislumbrado, inclusive, pela progressão que se estabelece entre as propostas para Música nos dois documentos, já que, nas séries iniciais, é prevista apenas a "utilização do sistema modal/tonal", e nas séries posteriores ampliam-se os sistemas musicais abordados. E, na verdade, apenas esses conteúdos de criação, apreciação e contextualização sobre os diversos sistemas musicais já seriam suficientes para sustentar um trabalho musical de qualidade, ao longo de toda a educação fundamental.

É possível perceber, ainda, o aprofundamento pretendido de um nível de ensino para outro, na proposição de certos conteúdos. A questão das formas e fontes de registro, preservação e divulgação ou comunicação musicais é contemplada nas duas propostas, sendo que, nos 1o e 2o ciclos, enfatizam-se a sua disponibilidade "na classe, na escola, na comunidade" (PCN-Arte I, p. 81), ao passo que, nas 5a a 8a séries, já se alcançam a "cidade e região" (PCN-Arte II, p. 86). Um outro exemplo é a proposição, nas séries iniciais, como conteúdo do terceiro bloco, de: "Músicos como agentes sociais: vidas, épocas e produções." (PCN-Arte I, p. 81). Nos ciclos finais, o mesmo tema ganha maior complexidade:

* "Investigação da contribuição de compositores e intérpretes para a transformação histórica da música e para a cultura musical da época, correlações com outras áreas do conhecimento e contextualizações com aspectos histórico-geográficos, bem como conhecimento de suas vidas e importância de respectivas obras." (PCN-Arte II, p. 86).

Apesar dessa possível progressão, o fato é que não é garantida a continuidade necessária ao ensino de música, na medida em que os PCN-Arte propõem quatro modalidades artísticas, deixando a cargo das escolas a decisão de como tratá-las.

Ao contrário da proposta para as séries iniciais - que se centra no canto, referindo-se, eventualmente, a "equipamentos" e "instrumentos disponíveis" (PCN-Arte I, p. 78) -, boa parte dos conteúdos para 5a a 8a séries pressupõem a disponibilidade de recursos, como materiais para audição, gravadores para registro dos trabalhos de improvisação e criação, ou ainda mencionam diversos instrumentos musicais e até mesmo equipamentos eletrônicos. Por exemplo:

* "Improvisação, composição e interpretação com instrumentos musicais, tais como flauta, percussão etc. e/ou vozes (observando tessitura e questão de muda vocal) fazendo uso de técnicas instrumentais e vocais básicas, participando de conjuntos instrumentais e/ou vocais, desenvolvendo autoconfiança, senso crítico e atitude de cooperação." (PCN-Arte II, p. 83).

Embora as questões da disponibilidade de recursos humanos e materiais, da continuidade do trabalho em Música e da carga horária para tal não digam respeito diretamente à proposta pedagógica dos Parâmetros Curriculares Nacionais, elas indiscutivelmente afetam as possibilidades de concretização da proposta. E não podem, portanto, ser desconsideradas nesta análise, pois se trata de documentos que configuram uma orientação oficial para a prática pedagógica em todas as escolas do país.

Destacam-se, ainda, a presença de um número bastante grande de conteúdos voltados para a discussão e reflexão, ou habilidades correlatas, nos dois documentos. Alguns exemplos:

* "Observação e discussão de estratégias pessoais e dos colegas em atividades de apreciação." (PCN-Arte I, p. 80).
* "Discussão da adequação na utilização da linguagem musical em suas combinações com outras linguagens na apreciação de canções, trilhas sonoras, jingles, músicas para dança, etc." (PCN-Arte I, p. 80).
* "Discussões e reflexões sobre a música que o aluno consome, tendo em vista o mercado cultural (indústria de produção, distribuição e formas de consumo), a globalização, a formação de seu gosto, a cultura das mídias." (PCN-Arte II, p. 85).
* "Pesquisa, reflexões e discussões sobre a origem, transformações e características de diferentes estilos da música brasileira." (PCN-Arte II, p. 86).

Como os diversos elementos de um planejamento curricular se inter-relacionam, "discutir e refletir" marca também, no documento para os 3o e 4o ciclos, os "objetivos gerais" e os "critérios de avaliação em Música".

Não se negam, em absoluto, a validade - e mesmo a necessidade - de um trabalho que envolva discussão e reflexão. Tal perspectiva é compatível com a diretriz geral de contextualizar as produções artísticas, e ainda com a orientação dada ao ensino de música, que considera a vivência do aluno e visa desenvolver a sua participação crítica no meio cultural em que vive.

No entanto, a profusão de conteúdos voltados para a discussão e habilidades correlatas pode vir a favorecer uma prática pedagógica centrada no falar sobre música, sem a presença concreta do sonoro-musical em sala de aula. E este risco é ainda maior quando se consideram as deficiências na formação do professor e a precariedade de recursos de grande parte das escolas deste país. Neste quadro, falar sobre música, simplesmente, pode ser a solução mais fácil para um professor mal formado ou que não dispõe dos recursos materiais necessários; no entanto, tal prática não levará o aluno a desenvolver uma progressiva compreensão da linguagem musical. No mesmo sentido posiciona-se Fonterrada (1998, p. 21), que declara "temer uma ênfase muito grande no verbal, em detrimento da prática artística", pelo privilégio dado a conteúdos voltados para "processos de pensamento e verbalização".

Alguns dos conteúdos com tais características articulam-se aos temas transversais - como, por exemplo, "Reflexão, discussão e posicionamento crítico sobre a discriminação de gênero, etnia e minorias, na prática da interpretação e criação musicais em diferentes culturas e etnias, em diversos tempos históricos" (PCN-Arte II, p.86), que diz respeito diretamente ao tema da Pluralidade Cultural, o mais relevante para a área de Arte.

De modo geral, os temas transversais são contemplados com clareza em todos os componentes curriculares de Música da proposta para os 3o e 4o ciclos, pois, neste nível de ensino, parece haver um maior compromisso da área de Arte com os mesmos, que são discutidos na primeira parte do documento. Alguns exemplos:

* O 9o objetivo interliga-se ao tema transversal Pluralidade Cultural - "Discutir e refletir sobre as preferências musicais e influências do contexto sociocultural, conhecendo usos e funções da música em épocas e sociedades distintas, percebendo as participações diferenciadas de gênero, minorias e etnias." (PCN-Arte II, p.82);
* O 12o objetivo, ao tema Trabalho e Consumo - "Adquirir conhecimento sobre profissões e profissionais da área musical, considerando diferentes áreas de atuação e características do trabalho." (PCN-Arte II, p.82);
* Alguns conteúdos contemplam o tema transversal Meio Ambiente, como este, que atende também ao tema Saúde: "Reflexões sobre os efeitos causados na audição, no temperamento, na saúde das pessoas, na qualidade de vida, pelos hábitos de utilização de volume alto nos aparelhos de som e pela poluição sonora do mundo contemporâneo, discutindo sobre prevenção, cuidados e modificações necessárias nas atividades cotidianas." (PCN-Arte II, p.85);
* O tema Ética é contemplado todas as vezes que há referência explícita a "atitudes de respeito", por exemplo, como no objetivo 7o, acima citado.

E o exercício da prática Docente, como fica?

Muitas indagações cercam as condições de concretização das proposições para Música dos Parâmetros Curriculares, mesmo nos 3o e 4o ciclos (a princípio um espaço para a atuação do professor especializado), cuja proposta tem por base uma concepção ampla de música, englobando as múltiplas manifestações musicais presentes nos dias de hoje, populares ou eruditas, brasileiras ou não.

Para ser efetivamente trabalhada, a proposta para este nível de ensino exigiria um professor não apenas habilitado na área específica de música, mas que também dominasse o conhecimento educacional em sentido abrangente, incluindo aí uma ampla gama de alternativas pedagógicas e metodológicas. Como o próprio texto para as últimas séries coloca, a atuação do professor "vai depender da bagagem que ele traz consigo: vai depender de seu 'saber música' e 'saber ser professor de música'" (PCN-Arte II, p. 79).

Sendo assim, acredita-se que dificilmente será possível encontrar, a curto prazo, profissionais capacitados para realizar plenamente esta proposta, tanto por sua amplitude, quanto pela perspectiva pedagógica de considerar a realidade do aluno - além, é claro, dos problemas relativos à carga horária e continuidade do trabalho nas diversas séries, questões que afetam todas as modalidades artísticas dos PCNs.

Como se vê, a efetivação da proposta implica, também, a busca de múltiplas alternativas metodológicas, capazes de atender às necessidades das diversas situações pedagógicas das escolas de ensino fundamental. Entretanto, os Parâmetros não trazem contribuições neste sentido, uma vez que, como já visto, as orientações didáticas são dadas de modo global. Por outro lado, mesmo no documento para os 3o e 4o ciclos, os elementos curriculares tratados na especificidade da área de Música - objetivos gerais conteúdos e critérios de avaliação - não são suficientes para garantir uma adequada implantação da proposta. Os objetivos têm uma formulação muito geral e, além disto, por vezes os conteúdos simplesmente os reduplicam em sobreposição, o que também acontece nos critérios de avaliação.

Sem dúvida, é comum esta sobreposição dos elementos de um planejamento pedagógico, onde é inevitável certa redundância, mas o problema aqui é que não se tem um avanço, não se consegue uma visão mais concreta do que deverá ser a prática em sala de aula. Será que o professor ao qual se destinam estes Parâmetros conseguirá ter uma idéia clara de como agir?

Acredita-se que, na formulação de Parâmetros Curriculares Nacionais – e, sobretudo em sua implementação -, é indispensável levar em consideração a realidade das escolas deste país, em sua diversidade de realizações positivas e de problemas, sob pena de se cair em um discurso de boas intenções que, no entanto, pouco traga para a prática educacional em sala de aula, em termos de resultados efetivos.

É preciso, portanto, ter em conta que o professor de música que atua nas escolas de ensino fundamental muitas vezes tem apenas a formação em uma licenciatura curta em Educação Artística, formação esta que não é capaz de lhe dar quer um domínio sólido da linguagem musical, quer o conhecimento de alternativas metodológicas em educação musical.

Em outros casos, são bacharéis em música (instrumentistas, por exemplo) que atuam como professores, sem ter nenhum conhecimento (ou mesmo interesse) pelas questões específicas de ensino. Tanto os professores de licenciatura curta, por sua frágil formação, quanto os bacharéis, por serem marcados por uma formação "conservatorial" que toma como padrão praticamente exclusivo a música erudita, terão enormes dificuldades para implementar adequadamente a proposta de ensino de música apresentada nos PCNs e Lei 11.769/08 - ou até mesmo serão incapazes de fazê-lo.

Diante deste quadro, é preciso buscar uma formação do professor que não apenas lhe assegure o indispensável domínio dos conteúdos musicais, mas também o conhecimento e discussão de questões próprias da educação musical, incluindo uma visão das diversas propostas pedagógicas existentes na área, para que possa dispor de alternativas metodológicas para a sua prática no ensino fundamental.

É preciso, ainda, que a formação inicial esteja firmemente conectada com a prática educacional concreta, ou seja, esteja articulada à escola e suas dinâmicas constituintes. Por outro lado, são necessárias alternativas de acompanhamento pedagógico e formação continuada, para apoiar o professor no aprimoramento de sua prática na escola.

"A experiência também tem mostrado que ações curriculares isoladas não são suficientes. Além delas, é necessário propor ações formativas, pois, qual profissional estará apto para trabalhar com essas novas propostas curriculares? Por outro lado, sabemos que só as ações voltadas à formação profissional por si só não garantem o espaço institucional da aula de música. São necessárias, portanto, a formulação de políticas administrativas que viabilizem a implementação de currículos, já que inovação e formação são pólos de uma mesma problemática." (Souza, 1999, p. 24-25).
Considera-se, por todo o exposto, que a proposta de música é bastante ambiciosa e difícil de ser viabilizada, a curto prazo, na nossa realidade escolar. Ela traz, contudo, importantes desafios que podem incitar renovações produtivas e necessárias no ensino de música. Neste sentido, cabe não apenas acompanhar cuidadosamente as experiências de aplicação dos Conteúdos de Música nas séries iniciais, como também repensar a própria formação do professor, incentivando-o a buscar qualificação através de pesquisas e cursos de formação continuada, bem como Pós-Graduações.

Extraído de coordenacao@musicanaescola.net

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